segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Pequenas cidades, grandes negócios - Capital Teresina Como os municípios pobres do Piauí conseguiram tornar milionários advogados ligados a OAB

Pequenas cidades, grandes negócios - Capital Teresina

Pequenas cidades, grandes negócios

Como os municípios pobres do Piauí conseguiram tornar milionários advogados ligados a OAB
Autor: Redação Capital Teresina
Nem tudo que é legal é ético e moral. Para o cidadão comum prestar serviços a entes públicos é preciso passar por concorrências que avaliam técnica, preço e a apresentação de um cem números de certidões negativas. É um verdadeiro concurso público necessário para diminuir favorecimentos e a própria corrupção, e dar chances iguais de concorrência a todas as empresas.
A lei 8.666/93, instituto que rege as licitações no Brasil, prevê raras exceções que poderiam eximir algumas empresas e profissionais liberais de passarem pelas burocráticas modalidades licitatórias e conduzi-los diretamente para a contratação. Em raros casos. Justificados. O problema é que a exceção virou regra no Piauí, para dois escritórios de advocacia, favorecidos por relacionamentos políticos e cargos institucionais, além da competência, é claro.
Esses escritórios, do atual e do ex-presidentes da OAB-PI são brindados com centenas de contratos com municípios, cerceando inúmeros outros advogados do benefício da concorrência pública e de oportunidades iguais.
Sob a astuta argumentação de ‘singularidade’, ‘notório saber’, ‘especialidade técnica’ e ‘vínculo de confiança’, razoabilidades amparadas por julgados do STF, eles têm faturado milhões através do instrumento da inexigibilidade. Legal. Mas moralmente duvidoso.
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O caminho do sucesso na advocacia do Piauí
Fazer parte da Ordem dos Advogados e usufruir da visibilidade e dos relacionamentos que a instituição propicia é um passo importante para o crescimento profissional. Coincidência ou não, os três escritórios que mais faturam com prefeituras são de membros da Ordem, incluindo o atual presidente William Guimarães.
Outra coincidência é a relevância que o direito eleitoral, especialidade dos escritórios, ganhou nos eventos da OAB-PI após a eleição para presidente da Ordem, em 2006, do advogado eleitoral Norberto Campelo. Seu grupo comanda a OAB-PI desde aquele ano, elegendo sucessivamente outros presidentes, no caso, os advogados Sigifroi Moreno e William. Os três integram o grupo encabeçado por Marcos Vinícius Furtado Coelho, conhecido especialista em direito eleitoral, eleito presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Logo após o feito, Marcus Vinícius encerrou as operações do seu escritório no Piauí, em um episódio que o menos esclarecido interpretaria como algo assim: fui eleito, obrigado. Agora o Piauí é pequeno para mim.
Um negócio de muitos milhões que não precisa de licitação
Antes de ser eleito presidente da OAB-PI, William Guimarães, que também é procurador do Estado, foi advogado da coligação partidária que elegeu Wilson Martins governador em 2010, o atual presidente continua como advogado do govenador e de mais outros 40 prefeitos do Estado. O relacionamento com o poder, que inclui nomes como o do deputado Themistocles Sampaio, deve ter ajudado seu escritório a faturar com prefeituras do Piauí, nos últimos 5 anos, o total de R$ 6 milhões e 82 mil, segundo informações do Tribunal de Contas. Tudo dentro da lei, mas sem licitação. O município de Jacobina do Piauí, que tem o índice de desenvolvimento humano de 0,570 - um dos menores do Estado, pagou quase R$ 195.500,00 ao escritório do atual presidente da OAB-PI, isso no período de 5 anos. É como se cada cidadão tivesse tirado do bolso R$ 34,18 para pagar ao escritório. Imaginamos que complexas demandas um município tão pequeno e de IDH tão baixo deva ter. 
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Ser membro da OAB e atuar em direito eleitoral é ter a certeza de conquistar um faturamento milionário. O levantamento feito junto ao TCE demonstrou que o escritório Campelo&Campelo Advogados Associados, do ex-presidente da OAB-PI, Norberto Campelo, faturou nos últimos 5 anos mais de R$ 6 milhões, valor semelhante ao faturado pelo escritório de William. Os contratos abrangem municípios como Santa Filomena (IDH 0,618), que pagou só em 2012, R$ 111.750,00 a Norberto. Santa Filomena tem pouco mais de seis mil habitantes. É como se cada cidadão da cidade tivesse pago ao escritório, em 2012, R$ 18,26 pela assistência jurídica ao município. Além das demandas públicas, o escritório do ex-presidente da seccional Piauí também advoga eleitoralmente para o prefeito da cidade de Santa Filomena, Esdras Avelino Filho, como o Capital Teresina levantou junto ao Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. E é aqui onde o público e o privado entram em choque. Todos os contratos são feitos dentro da legalidade, mas deixam algumas dúvidas.
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Quando alguns ingredientes começam a ser inseridos no processo, os fatos começam a ficar, no mínimo, estranhos. O volume faturado é em formato de ganho de escala, isto é, centenas de prefeituras concentram contratos em poucos escritórios e pagam valores mensais relativamente pequenos. A grande maioria dos prefeitos dos municípios que esses escritórios têm contratos também são assistidos eleitoralmente pelos mesmos advogados.
Para se ter uma ideia da máquina de fazer dinheiro que são esses pequenos grandes contratos, somados todos os pagamentos de prefeituras aos escritórios de William Guimarães e Norberto Campelo, o valor final é empolgante: juntos, os dois escritórios receberam, em cinco anos, mais de R$ 12 milhões de reais dessas prefeituras. Sem licitação. Dentro da legalidade.

Para prefeitura, inexigibilidade, para o escritório contratar advogado: processo seletivo.
O mesmo escritório que defende a inexigibilidade das contratações com prefeituras publicou um regulamento para contratação de advogados. No dia 08 de junho deste ano, nas páginas do Jornal O DIA, podia ser visto uma espécie de edital do escritório Campelo&Campelo Advogados Associados. É antagônico realizar um processo seletivo e defender a inexigibilidade nas contratações públicas.

Com a concentração de contratos e inexigibilidade de licitação diminuem as oportunidades para os novos advogados
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William Guimarães e Norberto Campelo detinham, juntos, em 2012, quase a metade das prefeituras do Piauí com contratos em seus escritórios. Faturaram juntos, só naquele ano, pouco mais de R$ 3 milhões. Fica a pergunta: de que adianta uma campanha de valorização dos honorários, como a lançada recentemente pela OAB, se não existe, no segmento público, praticamente clientes para os novos advogados? Que qualidade e que limitações jurídicas tantas demandas judiciais de tantas prefeituras concentradas em poucos escritórios estariam tendo?
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Anualmente, centenas de novos advogados ingressam no mercado através do Exame da Ordem. Sob promessas de valorização e de oportunidade, em pouco tempo, a crueldade do mercado e as facetas profissionais dificultam o crescimento destes jovens recém saídos das faculdades de direito. A visibilidade e os relacionamentos dados aos membros da OAB criam uma casta de super e milionários advogados que concentram renda e poder. A cada eleição da Ordem são investidos muitos recursos na manutenção de chapas vitoriosas. A OAB está dominada por dirigentes cheios de contratos públicos que, dificilmente, se posicionariam contra seus clientes, os políticos, como foi o papel histórico da Ordem dos Advogados do Brasil ao longo do tempo. Como levantar a bandeira de combate a corrupção tendo o presidente da OAB-PI tantos clientes públicos? Outro ponto, com a concentração de contratos em poucos escritórios, fica inviável a realização de concursos públicos. Os jovens advogados precisam acordar para o que está acontecendo.
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Piauí

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