"Exame da Ordem: Medida Restritiva de Acesso ao Mercado"-Des. Brandão de Carvalho
Oriundo da advocacia e tendo pertencido aos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Piauí por 20 (vinte anos) consecutivos, tendo participado do seu “staff” dirigente por este longo período em todas as suas comissões, inclusive como Presidente da Comissão de Exame da Ordem, me disponho agora, despido da condição de Desembargador, como representante da nossa gloriosa OAB, no Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, mas no papel de cidadão brasileiro e, sobretudo, de articulista em vários meios de comunicação de nosso Estado, fazer uma crítica aprofundada sobre a constitucionalidade do Exame de Ordem frente a nossa sistemática jurídica.
O assunto tem sido levado ao público de forma exuberante e como tal, tem seguidores e contestadores como é natural nos temas que despertam interesse e curiosidade do grande público.
O Exame da Ordem dos Advogados tem sido veementemente contestado pelo aspecto de se transformar em medida restritiva ao mercado de trabalho para classe advocatícia brasileira. O Exame da Ordem está com previsão acobertada no art. 8º, IV, da Lei nº 8.906/9 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), dispositivo este que disciplina, para inscrição como advogado, entre outros requisitos, é necessária a aprovação do Bacharel em Direito no citado exame de proficiência.
Esse modo de seleção costumeiramente gera debates acalorados sobre sua obrigatoriedade para que o bacharel em direito possa exercer a advocacia, existindo inúmeros argumentos tantos favoráveis quanto contrários à sua realização como afirmamos atrás.
Nesses debates, os defensores de cada corrente expõem seus argumentos geralmente levando-se em conta aspectos legais e sociais e este estudo adstringir-se-á à análise das premissas e correntes desfavoráveis a esse exame.
De forma inicial, destaco inicialmente a violação ao Princípio da Isonomia, o qual se encontra previsto no caput do art. 5º da Constituição Federal, o qual dispõe que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”
O Princípio da Igualdade há de ser considerado em dois aspectos: o da igualdade na lei, a qual é destinada ao legislador, ou ao próprio executivo, que, na elaboração das leis, atos normativos e medidas provisórias, não poderão fazer nenhuma discriminação. E o da igualdade perante a lei, que se traduz na exigência de que os poderes executivo e judiciário, na aplicação da lei, não façam qualquer discriminação.
O Exame de Ordem lesa o referido princípio a partir do momento em que condiciona o exercício da advocacia, ao Bacharel em Direito, à sua aprovação, indo, assim, na contramão das demais profissões, visto que os outros bacharéis, sejam eles médicos, engenheiros, administradores, enfermeiros, contabilistas etc., não estão sujeitos a tal obrigatoriedade, bastando, para tanto, somente a sua conclusão do respectivo curso superior e sua inscrição no Conselho correspondente.
Logo, a existência do Exame de Ordem diferencia os bacharéis em direito de forma prejudicial, uma vez que são submetidos à realização de uma modalidade de prova a qual os demais profissionais não estão sujeitos.
Posteriormente, cabe ressaltar que o exame de Ordem encontra-se, igualmente, em discordância com o Princípio do Livre Exercício das Profissões, segundo o qual “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, art. 5º, XIII, CF/88.
A Lei nº 9.394/96 trata das Diretrizes de Bases da Educação e assevera, em seu art. 43, que uma das finalidades da educação superior é “formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua”.
Ademais, a supracitada lei trata sobre a validade dos diplomas dos cursos superiores, bem como sobre a finalidade destes. O art. 48 prevê que “os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular”.
De acordo com esses ditames legais, o cidadão que possui graduação em curso superior, com seu respectivo diploma registrado, poderá exercer a profissão para a qual se habilitou livremente.
Seguindo essa linha de raciocínio, calha transcrever trecho do parecer do Subprocurador-Geral da República no Recurso Extraordinário nº 603.583 – 6/210, oportunidade em que este assevera que:
“2. 3. O inciso XIII, do art. 5º, da CF, contempla reserva legal qualificada, pois o próprio texto constitucional impõe limitação de conteúdo ao legislador no exercício da competência que lhe confere. A restrição ao exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, portanto, se limitará às ‘qualificações profissionais que a lei estabelecer.’
3. 4. A locução ‘qualificações profissionais’ há de ser compreendida como: (i) pressupostos subjetivos relacionados à capacitação técnica, científica, moral ou física; (ii) pertinentes com a função a ser desempenhada; (iii) amparadas no interesse público ou social e (iv) que atendam a critérios racionais e proporcionais. Tal sentido e abrangência foi afirmado pelo STF no julgamento da Rp. nº 930 (RTJ 88/760) em relação à locução “condições de capacidade” contida no § 23 do art. 153 da CF de 1967 e reafirmado pelo Plenário da Suprema Corte na atual redação do art. 5º, XIII, da CF (RE 591.511, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 13.11.09), com a expressa ressalva de que ‘as restrições legais à liberdade de exercício profissional somente podem ser levadas a efeito no tocante às qualificações profissionais’, e que ‘a restrição legal desproporcional e que viola o conteúdo essencial da liberdade deve ser declarada inconstitucional.’
4. 5. A Lei nº 8.906/94 impõe como requisito indispensável para a inscrição como advogado nos quadros da OAB a aprovação no exame de ordem. TAL EXAME NÃO SE INSERE NO CONCEITO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL: O EXAME NÃO QUALIFICA; QUANDO MUITO PODE ATESTAR A QUALIFICAÇÃO.”
Assim sendo, o bacharel em direito possui o diploma acadêmico que lhe concede o direito de exercer a advocacia. Entretanto, é ceifado deste direito, mesmo que temporariamente, até sua aprovação, contrariando assim o disposto em nossa Constituição. Dessa forma, resta caracterizado o impedimento de praticar o livre exercício de sua profissão.
Ainda acerca dos postulados desobedecidos, temos o “direito à vida” que está previsto no caput do art. 5º da Constituição Federal, destacando-se que esse princípio não está unicamente ligado à possibilidade de continuar vivo, mas, outrossim, à necessidade de prover a sua subsistência por intermédio de seu trabalho, do exercício de sua profissão.
Ora, o Exame de Ordem impede que o cidadão já devidamente qualificado exerça a advocacia, visto que o supramencionado exame obsta o livre exercício dessa profissão, violando, assim, previsão constitucional, haja vista que a prática da advocacia está condicionada à aprovação no referido exame.
Além desses argumentos, há também o fato de que este Exame é utilizado como uma forma de reserva de mercado, haja vista a nítida restrição à entrada de novos advogados no mercado. Tal controle é feito em virtude dos inúmeros cursos de Bacharelado em Direito que foram abertos no país desde a década de 1990, sendo que a maioria desses cursos não possuem a devida qualidade exigida.
Por conseguinte, todos os anos adentram ao mercado inúmeros Bacharéis em Direito, porém o Exame de Ordem controla o ingresso desses na advocacia, sob o argumento de se avaliar a qualificação daqueles.
Prova desse controle é o alto índice de reprovação dos candidatos que se submetem a este Exame, índice que alcançou, em determinadas oportunidades, aproximadamente 90%.
Ilustrando esta assertiva, observa-se a tabela que segue a qual demonstra a quantidade de candidatos inscritos e de aprovados:
Fonte:Portal Exame de Ordem
Exame de Ordem
Inscritos
Aprovados
2008.1
39.357
11.063
2008.2
39.732
11.668
2008.3
47.521
12.659
2009.1
58.761
11.444
2009.2
70.094
16.507
2009.3
95.764
13.781
2010.1
95.764
13.435
2010.2
106.041
16.974
2010.3
106.891
12.534
IV Unificado
121.380
18.234
V Unificado
108.355
26.024
VI Unificado
101.246
25.912
VII Unificado
111.909
16.419
VIII Unificado
117.852
20.785
IX Unificado
118.217
11.820
XI Unificado
124.887
32.088
XI Unificado
101.156
12.011
Desta feita, sem nenhuma dúvida, resta evidenciado que o exame de Ordem vai de encontro ao que é disposto em lei, devido ao fato de impedir que o cidadão exerça sua profissão e, por conseguinte, obtenha seu sustento e de sua família por intermédio do exercício desta. Da mesma forma, possui como objetivo restringir o número de advogados que acessem o mercado de trabalho.
RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, diz com clarividência que: “ a liberdade de exercício profissional esbarra na cláusula geral do interesse público ou social, ainda que não prevista explicitamente. É dizer: a limitação do exercício profissional somente se legitima se fundada no interesse imputado a toda coletividade.
Neste mesmo diapasão se destaca o nosso renomado mestre PONTES DE MIRANDA: “toda limitação por lei à liberdade tem de ser justificada. Se com ela não cresce a felicidade de todos, ou se não houver proveito na limitação, a regra é geral há de ser eliminada.”
No seu parecer, JANOT ataca o argumento da necessidade do exame de ordem porque o causídico, como o profissional liberal, exerce função essencialmente pública, logo a prova seria considerada uma espécie de concurso público para medir a qualificação necessária para o desempenho da profissão.
Respeitamos as posições favoráveis ao Exame da Ordem, inclusive com manifestações dos Ministros do STF que já se reportaram sobre a constitucionalidade do contestado Exame da Ordem, apenas ofertamos nossa posição no sentido do amadurecimento do tema de suma importância para as profissões da área jurídica. Nosso respeito à OAB se mantém incólume pela grandeza que representa no cenário democrático de nosso país como uma voz atuante nos momentos mais graves quando manca as nossas instituições no sentido de fragilizar o Estado Democrático de Direito. Não estamos a questionar como Instituição deveras importante como fiscalizadora dos interesses difusos de nossa sociedade, mas apenas, e unicamente, questionar a forma de ascenção aos quadros da própria Ordem.
Agora, sob a inteligente condução de um dos mais valorosos advogados que conheci despertar para a nobre profissão de advogado, nosso Presidente Nacional Dr. Marcus Vinicius Furtado Coelho, exemplo de dignidade, respeitabilidade, responsabilidade, conduzindo nos seus quadros mais de 800.000 advogados inscritos em todo o Brasil, dando à Ordem a transparência que ela tanto exige dos outros poderes de nossa República.
Desembargador Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho
Decano e Presidente da Academia de Letras da Magistratura Piauiense
Fernando Castelo Branco
Fonte: O AUTOR
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